Autor: Albert Camus
Professora: Ana Paula Coutinho
Estrutura da obra
A tragédia clássica divide-se em três grandes partes: Prólogo, Episódios e Epílogo. A Peste divide-se em cinco partes, cada um com vários capítulos: I (8); II (8); III (1); IV (7); V (5). A parte III é diferente no sentido em que consiste numa reflexão por parte do narrador, recorrendo a interpretações psicológicas, alegorias e descrições caracterizadoras.O Padre Paneloux
A figura do Padre Paneloux aparece pela primeira vez amparando o porteiro Michel (I.2) e é referido como "um jesuíta erudito e militante que ele (Rieux) tinha encontrado algumas vezes e que era muito estimado na (...) cidade, mesmo por aqueles que são indiferentes em matéria religiosa."No capítulo 3 da parte II (II.3), o Padre Paneloux atrai sobre si a atenção do narrador. É apresentado como um " defensor caloroso de um cristianismo exigente, igualmente distanciado da libertinagem moderna e do obscurantismo dos séculos passados", "de estatura mediana, mas forte". Paneloux é também, curiosamente, um historiador que trabalha sobre Santo Agostinho, objeto da tese de doutoramento de Camus¹. No seu sermão, apresenta a peste como um castigo, um flagelo de Deus: "a desgraça caiu sobre vós; mereceste-la , meus irmãos." Utiliza a imagem do anjo mau que batia com uma lança em cada casa, "E tantas vezes quantas uma casa recebia pancadas, tantos mortos havia que dela saíam." Na parte final do sermão, Paneloux encontra o sentido da vontade divina no absurdo da peste, separando o trigo do joio, "Quero fazer-vos chegar à verdade (...) Este mesmo flagelo que vos tortura, eleva-vos e mostra-vos o caminho." Tarroux comentará mais tarde com Rieux (II.6), "Pensa então, como Paneloux, que a peste tem o seu lado bom, que abre os olhos, que força a pensar?" mas Rieux não concorda e diz que se "pode servir para engrandecer alguns (...) quando se vê a miséria e dor que ela traz, é preciso ser-se louco, cego ou covarde para se resignar à peste."
No capítulo 3 da parte IV (IV.3), a agonia do filho do juiz Othon origina um choque entre Rieux e Paneloux, "Porque me falou com semelhante cólera?" Apaziguador, Paneloux acrescenta "Também para mim o espetáculo é insuportável. (...) Isto é revoltante, pois ultrapassa a nossa compreensão. Mas talvez devamos amar o que não podemos compreender."
No capitulo seguinte (IV.4), o narrador dá conta da transformação do Padre Paneloux, "não abandonando os hospitais (e colocando-se) entre os salvadores", correndo todos os riscos e colocando a sua vida nas mãos de Deus. No seu segundo sermão, dirá "«nós» em vez de empregar a segunda pessoa do plural." Continuando a afirmar que "não se devia explicar o flagelo da peste, mas, antes, tentar aprender o que com ele se podia aprender", Paneloux reflete sobre o explicável, o inexplicável e sobre o problema do mal, aflorando a dúvida sobre a compensação do sofrimento numa outra vida e chegando à formulação radical da sua fé, "É preciso crer tudo ou negar tudo. E quem, de entre vós, ousaria negar tudo? (...) Todo o pecado era mortal e toda a indiferença criminosa. Era tudo ou nada. (...) o sofrimento de uma criança era humilhante (...) mas era por isso que era necessário passar por essa prova." Paneloux afirma que não podemos escolher apenas aquilo em que queremos acreditar e Tarrou comentará "Paneloux não quer perder a fé, irá até ao fim."
Neste capítulo é também evidente muito do trabalho de pesquisa que Camus efetuou sobre as pestes ao longo dos tempos.
Ainda no mesmo capítulo (IV.4) o narrador conta que, alguns dias depois do sermão, o padre Paneloux apresenta alguns sintomas preocupantes mas pede para não chamarem o médico. Quando finalmente Rieux o vai ver, recebe-o com um ar indiferente e acede a ir para o hospital, oferecendo-lhe a sua companhia, oferta que Paneloux rejeita, "os religiosos não têm amigos. Colocaram tudo em Deus."
Apesar da ambiguidade dos sintomas, Paneloux acaba por morrer sem largar o cruxifixo, tendo a sua morte sido classificada como "Caso duvidoso." Contrastando com a morte de Tarrou, Paneloux acaba por não morrer em paz.
¹ Ainda no domínio da curiosidade, é interessante constatar que as posições do Padre Paneloux se centram no questionar da existência do mal e na sua finalidade, sugerindo por vezes a "heresia" neoplatónica de que o mal não é mais do que uma ausência ou "imperfeição" do bem. Agostinho de Hipona foi muito influenciado pelo neoplatonismo antes de se converter ao cristianismo e alguns dos seus escritos mais luminosos são desta fase. Não surpreende pois que o tema da dissertação de mestrado de Albert Camus tenha sido o neoplatonismo. Há muito da experiência filosófica de Camus na construção da personagem do Padre Paneloux.
Um desenvolvimento alternativo para a personagem do Padre Paneloux
O Padre Paneloux sobrevive à doença que, afinal, não era a peste. Sente alguma forma de humilhação por ter sido poupado à sorte dos seus concidadãos e interroga-se sobre a razão. Sai do hospital e apercebe-se do fim da epidemia. Encontra o Dr. Rieux na igreja, julga tratar-se de uma conversão e vê nisso um sinal, um significado para o flagelo de Deus, dando finalmente um sentido à sua angústia existencial. No entanto, a presença de Rieux na igreja era perfeitamente acidental.A alegoria da ocupação nazi n’A Peste de Albert Camus
Uma alegoria da comunidade na crise
Acabou-se a espuma de barbear e foi mesmo preciso passar pelo Pingo Doce para resolver o problema. Esqueci-me de duas coisas: a campanha do Banco Alimentar e a promoção dos 50% de desconto em peixe e marisco, a partir de 25€ em compras de outros produtos e limitada a 10 kg por cliente.À minha frente na fila estava uma senhora com um carrinho carregado de produtos, incluindo um saco de camarão e muitas embalagens de comida de gato. Dividiu as compras em duas parcelas, num complexo algoritmo que produziu uma primeira parcela de cinquenta e tal euros e uma segunda de trinta e tal. Pagou as parcelas separadamente, com o mesmo cartão e pedindo fatura da segunda, a que não tinha nem o camarão nem a comida de gato.
Na fila do lado, um casal de certa idade, com mais um carrinho cheio e o inevitável saco de camarão, pagou em dinheiro e, ao receber o troco, deixou escapar uma moeda de dois cêntimos para dentro duma ranhura existente na bancada de produtos da registadora. Estiveram um bom par de minutos a tentar extrair a moeda, censurando com o olhar a funcionária que não se mostrava aberta a compensar a perda com uma nova moeda, até se afastarem lançando olhares sobre o ombro na esperança de testemunharem uma eventual apropriação indevida dos seus dois cêntimos.
Impacientes com a demora, seguiu-se um jovem casal com mais um carrinho cheio: cervejas, pipocas, camarão, batatas fritas, vinho verde, e uma discreta embalagem de preservativos. Crise é crise mas festa é festa.
Saíram todos antes de mim, passando frente à recolha do Banco Alimentar sem deixar nada.
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