quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ulysses - James Joyce

Obra: Ulisses (tradução de A.  Houaiss)
Autor: James Joyce
Professor: Gualter Cunha

"A 16 de junho de 1904, um judeu irlandês chamado Leopold Bloom sai de casa para comprar os rins que adora comer ao pequeno almoço, ir à posta restante buscar as cartas de amor da amante, cumprir as suas obrigações de angariador de publicidade e assistir ao enterro de um velho conhecido. O Senhor Bloom, como Ulisses através dos mares, vai ser arrastado através de Dublin numa odisseia trivial e aventureira. A ilha dos Lotófagos, a gruta de Polifemo e a caverna de Circe tomam aqui nomes de praças de Dublin, de bares e de bordéis irlandeses; Nausicaa, Penélope, Telémaco e os pretendentes são empregadas de bares, uma cantora, um jovem professor de História falador e boémio, um velho empresário corrupto ou ébrios eloquentes. Será apenas na madrugada seguinte, bem comido e melhor bebido, que Leopold Bloom regressa a casa – Ítaca, após ter sido expulso de um bar por um sujeito intratável, depois de também ter apanhado uma bebedeira memorável que termina num pandemónio fabuloso, e repercorrido, titubeante, a história da vida de um pobre diabo judeu irlandês, enganado pela mulher e que corre atrás de qualquer saia que lhe passa perto.
Terá pelo caminho refeito todo o percurso da História, paródica e sublime, a história de tudo o que a humanidade inventou para atravessar a terra: línguas, culturas, metafísicas, filosofias, teologias, erotismos, ritos, brincadeiras, preces, magias, sem esquecer o whisky, o vinho tinto e os rins de carneiro fritos em manteiga, sem esquecer também os prodígios da palavra humana, única alavanca de Arquimedes que poderia, sem ponto de apoio, levantar o mundo." trad. A. Houaiss, ed. DIFEL, 1983


"(...) O that awful deepdown torrent O and the sea the sea crimson sometimes like fire and the glorious sunsets and the figtrees in the Alameda gardens yes and all the queer little streets and the pink and blue and yellow houses and the rosegardens and the jessamine and geraniums and cactuses and Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes."

James Joyce - Ulysses: Molly Bloom's Soliloquy, The Last 50 Lines


Word cloud of Ulysses: Molly Bloom's Soliloquy

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Odisseia - Homero

Obra: Odisseia
Autor: Homero (atribuída a)
Professor: Jorge Deserto

"Mas depois que Ulisses e Penélope satisfizeram o seu desejo
de amor, deleitaram-se com palavras, contando tudo um ao outro."

Canto XXIII,  300



Leitura e apontamentos

Mais do que uma epopeia identitária, a Odisseia [1] é uma obra seminal da literatura ocidental, precursora de uma identidade europeia e de um género literário que se viria a tornar dominante. Atribuída a Homero, pouco sabemos ao certo sobre o trabalho do putativo autor, embora seja mais ou menos consensual a dinâmica de um processo de fixação que traduzisse as contribuições da tradição oral dos diversos Aedos na construção da obra.

As diferenças de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisseia levaram alguns críticos a colocar a hipótese de que poderiam ter resultado da recomposição de poemas anteriores, ou de que teriam sido criadas por autores diferentes. Todas essas dúvidas constituem a chamada "questão homérica", e permanecem abertas à discussão. Os pontos em que há maior concordância dos estudiosos são: a Ilíada é anterior à Odisseia; quase com certeza os dois poemas foram compostos no século VIII a.C., cerca de três séculos após os factos narrados; foram originalmente escritos em dialeto jónio, com numerosos elementos eólios - o que confirma a origem jónica de Homero; pertenciam à tradição épica oral, pelo menos no que se refere às técnicas empregadas, já que existem opiniões divergentes quanto ao emprego ou não da escrita pelo autor. A versão na forma escrita, tal como se conhece hoje, teria sido feita em Atenas durante o século VI a.C., se bem que a divisão de cada poema em 24 cantos corresponderia aos eruditos alexandrinos do Período Helenístico. No decorrer desse período teriam sido introduzidas várias interpolações. [2] 
Como épico, a Odisseia foge de alguma maneira à grandiosidade típica do género. São apenas doze embarcações e a história de um homem que quer regressar a casa. Deste ponto de vista a Odisseia está mais perto de um… romance! Podemos ver que tem muitas das características que se tornariam comuns no romance: multiplicidade de tempos, vozes, situações personagens e aventuras, uma estrutura narrativa que converge para uma situação final de clímax dramático e uma alternância entre diferentes modos de narração, longe da perspetiva monolítica da narração épica clássica. É evidente, também, uma matriz de organização narrativa com uma viagem onde podia sempre ser incluída mais uma nova aventura de Ulisses, prolongando indefinidamente a obra e aceitando novas contribuições posteriores. Uma consequência desta génese da obra é a presença de algumas inconsistências internas, compreensíveis no contexto de produção por autores diversos e diferida no tempo.


A Odisseia apresenta-nos quatro “espaços” (a arenosa Pilos, Lacedemónia ou Esparta, a Feácia e Ítaca) e três “tempos” (a viagem de Telémaco em busca do pai, a viagem e as aventuras de Ulisses e o regresso a Ítaca ou Nostos [3]). São XXIV os cantos do poema, exatamente o número de letras do alfabeto grego. Do canto IX ao XII, as aventuras são narradas por Ulisses assumindo o papel de narrador omnisciente e onde é curiosamente mais evidente a atmosfera de fantástico, com histórias povoadas de monstros, feiticeiras e fenómenos extraordinários. A dinâmica narrativa distende-se no final da obra, abrandando o ritmo e construindo cuidadosamente o clímax da ação.



1. Do nome grego do herói Ulisses – Odusseus
2. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/homero21.htm
3. Nostos (regresso), raiz da palavra nostalgia (nostos + algia), dor do (não) regresso.


«Ítaca» / Konstandinos Kaváfis / (1911)

Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
(...)
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.

Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.

E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.

[Tradução Jorge de Sena]

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Porquê ler os clássicos? - Italo Calvino

"Os clássicos são livros de que se costuma ouvir dizer: "estou a reler..." e nunca: "estou a ler..."; um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que que tem a dizer; os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto; é clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo"(...).

Italo Calvino (1991), "Porquê ler os clássicos?" tradução de José Colaço Barreiros, edição da Teorema.

A Viagem

Convocando um sentido para a terceira edição do curso livre Grandes Livros, Grandes Obras, escolheu-se a temática da viagem (das viagens?), construindo um fio condutor entre as múltiplas leituras, intertextualidades, épocas, sensibilidades, genealogias e outras pontes da palavra escrita que também é, na sua essência, "a viagem".

Estado de locomoção 

Repito que vivo enclausurado na agilidade de um animal nascido
Correndo ao lado dele, correndo para ele - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem veloz:
Uma casa para a infância com trepadeiras
Para que as palavras ficassem como frutos no alto. 
Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor. 
Sei que estou em viagem na palavra que se move. 
Repito o trajecto para ver o poema de novo - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem de uma coisa amada
Correndo ao meu lado, correndo para mim no mecanismo violento
Do amor. Era nele que eu queria a casa com trepadeiras
Onde as palavras ficassem silenciosas e altas com um pátio interior.

Daniel Faria in Homens que são como lugares mal situados 1ª ed. Porto, Fundação Manuel de Leão 1998

Daniel Faria nasceu em Baltar, Paredes, no dia 10 de Abril de 1971. Licenciado em Teologia e em Estudos Portugueses, faleceu com apenas 28 anos, a 9 de Junho de 1999, quando era noviço no Mosteiro de Singeverga. Estreou-se em 1992, com um pequeno volume intitulado Oxálida. Recebeu vários prémios literários relativos a inéditos de poesia e conto. Colaborou nas revistas Atrium, Humanística e Teologia, Via Spiritus, e Limiar. A sua obra poética encontra-se reunida num volume editado, em Novembro de 2003, pelas Quasi Edições.


"Verba volant, scripta manent"