Autor: Homero (atribuída a)
Professor: Jorge Deserto
"Mas depois que Ulisses e Penélope satisfizeram o seu desejo
de amor, deleitaram-se com palavras, contando tudo um ao outro."
Canto XXIII, 300
Leitura e apontamentos
Mais do que uma epopeia identitária, a Odisseia [1] é uma obra seminal da literatura ocidental, precursora de uma identidade europeia e de um género literário que se viria a tornar dominante. Atribuída a Homero, pouco sabemos ao certo sobre o trabalho do putativo autor, embora seja mais ou menos consensual a dinâmica de um processo de fixação que traduzisse as contribuições da tradição oral dos diversos Aedos na construção da obra.As diferenças de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisseia levaram alguns críticos a colocar a hipótese de que poderiam ter resultado da recomposição de poemas anteriores, ou de que teriam sido criadas por autores diferentes. Todas essas dúvidas constituem a chamada "questão homérica", e permanecem abertas à discussão. Os pontos em que há maior concordância dos estudiosos são: a Ilíada é anterior à Odisseia; quase com certeza os dois poemas foram compostos no século VIII a.C., cerca de três séculos após os factos narrados; foram originalmente escritos em dialeto jónio, com numerosos elementos eólios - o que confirma a origem jónica de Homero; pertenciam à tradição épica oral, pelo menos no que se refere às técnicas empregadas, já que existem opiniões divergentes quanto ao emprego ou não da escrita pelo autor. A versão na forma escrita, tal como se conhece hoje, teria sido feita em Atenas durante o século VI a.C., se bem que a divisão de cada poema em 24 cantos corresponderia aos eruditos alexandrinos do Período Helenístico. No decorrer desse período teriam sido introduzidas várias interpolações. [2]Como épico, a Odisseia foge de alguma maneira à grandiosidade típica do género. São apenas doze embarcações e a história de um homem que quer regressar a casa. Deste ponto de vista a Odisseia está mais perto de um… romance! Podemos ver que tem muitas das características que se tornariam comuns no romance: multiplicidade de tempos, vozes, situações personagens e aventuras, uma estrutura narrativa que converge para uma situação final de clímax dramático e uma alternância entre diferentes modos de narração, longe da perspetiva monolítica da narração épica clássica. É evidente, também, uma matriz de organização narrativa com uma viagem onde podia sempre ser incluída mais uma nova aventura de Ulisses, prolongando indefinidamente a obra e aceitando novas contribuições posteriores. Uma consequência desta génese da obra é a presença de algumas inconsistências internas, compreensíveis no contexto de produção por autores diversos e diferida no tempo.
A Odisseia apresenta-nos quatro “espaços” (a arenosa Pilos, Lacedemónia ou Esparta, a Feácia e Ítaca) e três “tempos” (a viagem de Telémaco em busca do pai, a viagem e as aventuras de Ulisses e o regresso a Ítaca ou Nostos [3]). São XXIV os cantos do poema, exatamente o número de letras do alfabeto grego. Do canto IX ao XII, as aventuras são narradas por Ulisses assumindo o papel de narrador omnisciente e onde é curiosamente mais evidente a atmosfera de fantástico, com histórias povoadas de monstros, feiticeiras e fenómenos extraordinários. A dinâmica narrativa distende-se no final da obra, abrandando o ritmo e construindo cuidadosamente o clímax da ação.
1. Do nome grego do herói Ulisses – Odusseus
2. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/homero21.htm
3. Nostos (regresso), raiz da palavra nostalgia (nostos + algia), dor do (não) regresso.
«Ítaca» / Konstandinos Kaváfis / (1911)
Quando começares a tua viagem para Ítaca,reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
(...)
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
[Tradução Jorge de Sena]
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