Obra: Alice no País das Maravilhas
Autor: Lewis Carroll
Professora: Maria Luísa Malato
quarta-feira, 20 de junho de 2012
quarta-feira, 6 de junho de 2012
A Peste - Albert Camus
Obra: A Peste (Peste com Estrangeiro por fundo)
Autor: Albert Camus
Professora: Ana Paula Coutinho
No capítulo 3 da parte II (II.3), o Padre Paneloux atrai sobre si a atenção do narrador. É apresentado como um " defensor caloroso de um cristianismo exigente, igualmente distanciado da libertinagem moderna e do obscurantismo dos séculos passados", "de estatura mediana, mas forte". Paneloux é também, curiosamente, um historiador que trabalha sobre Santo Agostinho, objeto da tese de doutoramento de Camus¹. No seu sermão, apresenta a peste como um castigo, um flagelo de Deus: "a desgraça caiu sobre vós; mereceste-la , meus irmãos." Utiliza a imagem do anjo mau que batia com uma lança em cada casa, "E tantas vezes quantas uma casa recebia pancadas, tantos mortos havia que dela saíam." Na parte final do sermão, Paneloux encontra o sentido da vontade divina no absurdo da peste, separando o trigo do joio, "Quero fazer-vos chegar à verdade (...) Este mesmo flagelo que vos tortura, eleva-vos e mostra-vos o caminho." Tarroux comentará mais tarde com Rieux (II.6), "Pensa então, como Paneloux, que a peste tem o seu lado bom, que abre os olhos, que força a pensar?" mas Rieux não concorda e diz que se "pode servir para engrandecer alguns (...) quando se vê a miséria e dor que ela traz, é preciso ser-se louco, cego ou covarde para se resignar à peste."
No capítulo 3 da parte IV (IV.3), a agonia do filho do juiz Othon origina um choque entre Rieux e Paneloux, "Porque me falou com semelhante cólera?" Apaziguador, Paneloux acrescenta "Também para mim o espetáculo é insuportável. (...) Isto é revoltante, pois ultrapassa a nossa compreensão. Mas talvez devamos amar o que não podemos compreender."
No capitulo seguinte (IV.4), o narrador dá conta da transformação do Padre Paneloux, "não abandonando os hospitais (e colocando-se) entre os salvadores", correndo todos os riscos e colocando a sua vida nas mãos de Deus. No seu segundo sermão, dirá "«nós» em vez de empregar a segunda pessoa do plural." Continuando a afirmar que "não se devia explicar o flagelo da peste, mas, antes, tentar aprender o que com ele se podia aprender", Paneloux reflete sobre o explicável, o inexplicável e sobre o problema do mal, aflorando a dúvida sobre a compensação do sofrimento numa outra vida e chegando à formulação radical da sua fé, "É preciso crer tudo ou negar tudo. E quem, de entre vós, ousaria negar tudo? (...) Todo o pecado era mortal e toda a indiferença criminosa. Era tudo ou nada. (...) o sofrimento de uma criança era humilhante (...) mas era por isso que era necessário passar por essa prova." Paneloux afirma que não podemos escolher apenas aquilo em que queremos acreditar e Tarrou comentará "Paneloux não quer perder a fé, irá até ao fim."
Neste capítulo é também evidente muito do trabalho de pesquisa que Camus efetuou sobre as pestes ao longo dos tempos.
Ainda no mesmo capítulo (IV.4) o narrador conta que, alguns dias depois do sermão, o padre Paneloux apresenta alguns sintomas preocupantes mas pede para não chamarem o médico. Quando finalmente Rieux o vai ver, recebe-o com um ar indiferente e acede a ir para o hospital, oferecendo-lhe a sua companhia, oferta que Paneloux rejeita, "os religiosos não têm amigos. Colocaram tudo em Deus."
Apesar da ambiguidade dos sintomas, Paneloux acaba por morrer sem largar o cruxifixo, tendo a sua morte sido classificada como "Caso duvidoso." Contrastando com a morte de Tarrou, Paneloux acaba por não morrer em paz.
¹ Ainda no domínio da curiosidade, é interessante constatar que as posições do Padre Paneloux se centram no questionar da existência do mal e na sua finalidade, sugerindo por vezes a "heresia" neoplatónica de que o mal não é mais do que uma ausência ou "imperfeição" do bem. Agostinho de Hipona foi muito influenciado pelo neoplatonismo antes de se converter ao cristianismo e alguns dos seus escritos mais luminosos são desta fase. Não surpreende pois que o tema da dissertação de mestrado de Albert Camus tenha sido o neoplatonismo. Há muito da experiência filosófica de Camus na construção da personagem do Padre Paneloux.
Autor: Albert Camus
Professora: Ana Paula Coutinho
Estrutura da obra
A tragédia clássica divide-se em três grandes partes: Prólogo, Episódios e Epílogo. A Peste divide-se em cinco partes, cada um com vários capítulos: I (8); II (8); III (1); IV (7); V (5). A parte III é diferente no sentido em que consiste numa reflexão por parte do narrador, recorrendo a interpretações psicológicas, alegorias e descrições caracterizadoras.O Padre Paneloux
A figura do Padre Paneloux aparece pela primeira vez amparando o porteiro Michel (I.2) e é referido como "um jesuíta erudito e militante que ele (Rieux) tinha encontrado algumas vezes e que era muito estimado na (...) cidade, mesmo por aqueles que são indiferentes em matéria religiosa."No capítulo 3 da parte II (II.3), o Padre Paneloux atrai sobre si a atenção do narrador. É apresentado como um " defensor caloroso de um cristianismo exigente, igualmente distanciado da libertinagem moderna e do obscurantismo dos séculos passados", "de estatura mediana, mas forte". Paneloux é também, curiosamente, um historiador que trabalha sobre Santo Agostinho, objeto da tese de doutoramento de Camus¹. No seu sermão, apresenta a peste como um castigo, um flagelo de Deus: "a desgraça caiu sobre vós; mereceste-la , meus irmãos." Utiliza a imagem do anjo mau que batia com uma lança em cada casa, "E tantas vezes quantas uma casa recebia pancadas, tantos mortos havia que dela saíam." Na parte final do sermão, Paneloux encontra o sentido da vontade divina no absurdo da peste, separando o trigo do joio, "Quero fazer-vos chegar à verdade (...) Este mesmo flagelo que vos tortura, eleva-vos e mostra-vos o caminho." Tarroux comentará mais tarde com Rieux (II.6), "Pensa então, como Paneloux, que a peste tem o seu lado bom, que abre os olhos, que força a pensar?" mas Rieux não concorda e diz que se "pode servir para engrandecer alguns (...) quando se vê a miséria e dor que ela traz, é preciso ser-se louco, cego ou covarde para se resignar à peste."
No capítulo 3 da parte IV (IV.3), a agonia do filho do juiz Othon origina um choque entre Rieux e Paneloux, "Porque me falou com semelhante cólera?" Apaziguador, Paneloux acrescenta "Também para mim o espetáculo é insuportável. (...) Isto é revoltante, pois ultrapassa a nossa compreensão. Mas talvez devamos amar o que não podemos compreender."
No capitulo seguinte (IV.4), o narrador dá conta da transformação do Padre Paneloux, "não abandonando os hospitais (e colocando-se) entre os salvadores", correndo todos os riscos e colocando a sua vida nas mãos de Deus. No seu segundo sermão, dirá "«nós» em vez de empregar a segunda pessoa do plural." Continuando a afirmar que "não se devia explicar o flagelo da peste, mas, antes, tentar aprender o que com ele se podia aprender", Paneloux reflete sobre o explicável, o inexplicável e sobre o problema do mal, aflorando a dúvida sobre a compensação do sofrimento numa outra vida e chegando à formulação radical da sua fé, "É preciso crer tudo ou negar tudo. E quem, de entre vós, ousaria negar tudo? (...) Todo o pecado era mortal e toda a indiferença criminosa. Era tudo ou nada. (...) o sofrimento de uma criança era humilhante (...) mas era por isso que era necessário passar por essa prova." Paneloux afirma que não podemos escolher apenas aquilo em que queremos acreditar e Tarrou comentará "Paneloux não quer perder a fé, irá até ao fim."
Neste capítulo é também evidente muito do trabalho de pesquisa que Camus efetuou sobre as pestes ao longo dos tempos.
Ainda no mesmo capítulo (IV.4) o narrador conta que, alguns dias depois do sermão, o padre Paneloux apresenta alguns sintomas preocupantes mas pede para não chamarem o médico. Quando finalmente Rieux o vai ver, recebe-o com um ar indiferente e acede a ir para o hospital, oferecendo-lhe a sua companhia, oferta que Paneloux rejeita, "os religiosos não têm amigos. Colocaram tudo em Deus."
Apesar da ambiguidade dos sintomas, Paneloux acaba por morrer sem largar o cruxifixo, tendo a sua morte sido classificada como "Caso duvidoso." Contrastando com a morte de Tarrou, Paneloux acaba por não morrer em paz.
¹ Ainda no domínio da curiosidade, é interessante constatar que as posições do Padre Paneloux se centram no questionar da existência do mal e na sua finalidade, sugerindo por vezes a "heresia" neoplatónica de que o mal não é mais do que uma ausência ou "imperfeição" do bem. Agostinho de Hipona foi muito influenciado pelo neoplatonismo antes de se converter ao cristianismo e alguns dos seus escritos mais luminosos são desta fase. Não surpreende pois que o tema da dissertação de mestrado de Albert Camus tenha sido o neoplatonismo. Há muito da experiência filosófica de Camus na construção da personagem do Padre Paneloux.
Um desenvolvimento alternativo para a personagem do Padre Paneloux
O Padre Paneloux sobrevive à doença que, afinal, não era a peste. Sente alguma forma de humilhação por ter sido poupado à sorte dos seus concidadãos e interroga-se sobre a razão. Sai do hospital e apercebe-se do fim da epidemia. Encontra o Dr. Rieux na igreja, julga tratar-se de uma conversão e vê nisso um sinal, um significado para o flagelo de Deus, dando finalmente um sentido à sua angústia existencial. No entanto, a presença de Rieux na igreja era perfeitamente acidental.quarta-feira, 23 de maio de 2012
As Naus - António Lobo Antunes
Obra: As Naus
Autor: António Lobo Antunes
Professora: Fátima Outeirinho
Autor: António Lobo Antunes
Professora: Fátima Outeirinho
Uma Paródia Trágico-Marítima n'As Naus de António Lobo Antunes
Caricaturas de João Abel Manta
quinta-feira, 10 de maio de 2012
A Tormenta - William Shakespeare
Obra: A Tormenta (trad. Fátima Vieira)
Autor: William Shakespeare
Professora: Fátima Vieira
"Na Tormenta de Shakespeare, Prospero, Duque de Milão,é deposto pelo seu irmão e exilado numa ilha mas, com a ajuda de um amigo, consegue levar com ele a sua amada biblioteca.
Prospero, como o seu criador, vivia num tempo em que as fronteiras entre as diversas áreas do saber não eram tão rígidas como são hoje. Os livros de Prospero teriam abordado o cosmos - espiritual e material, interno e externo - como um todo.
Prospero era um Hermético, provavelmente tendo como modelo o mago inglês John Dee. Como o autor anónimo autor das Meditações sobre o Tarot escreveu, a demanda dos Herméticos era "a alma comum da religião, ciência e arte."
http://www.prosperosbooks.net/
Autor: William Shakespeare
Professora: Fátima Vieira
"Na Tormenta de Shakespeare, Prospero, Duque de Milão,é deposto pelo seu irmão e exilado numa ilha mas, com a ajuda de um amigo, consegue levar com ele a sua amada biblioteca.
Prospero, como o seu criador, vivia num tempo em que as fronteiras entre as diversas áreas do saber não eram tão rígidas como são hoje. Os livros de Prospero teriam abordado o cosmos - espiritual e material, interno e externo - como um todo.
Prospero era um Hermético, provavelmente tendo como modelo o mago inglês John Dee. Como o autor anónimo autor das Meditações sobre o Tarot escreveu, a demanda dos Herméticos era "a alma comum da religião, ciência e arte."
http://www.prosperosbooks.net/
Apontamentos dispersos
A magia dos livros de Prospero
A magia dos livros de Prospero é o conhecimento do hólos, em que todas as áreas do conhecimento humano se intersetam e complementam (ciência, técnica, estética, religião, etc.). Para o olhar do sábio do final de seiscentos, existiria um grau supremo de iluminação que lhe permitiria compreender, relacionar e, no limite, comandar todos os fenómenos naturais. Apesar de toda a fragmentação do conhecimento, da evolução da tecnologia, da tomada de consciência dos limites do conhecimento humano expostos pela epistemologia e por várias críticas políticas e relativistas, ainda encontramos ecos desta velha aspiração, por exemplo, na demanda da Teoria da Grande Unificação, que permitiria usar o mesmo "modelo geral" para descrever todos os fenómenos físicos, desde o infinitamente pequeno ao infinitamente grande. A própria nomeação do furtivo bosão de Higgs como "partícula de Deus" é uma evidência dos velhos ecos da referida aspiração.Prospero e Caliban, uma leitura política
É comummente aceite a influência da leitura por Shakespeare de «Des Cannibales» (Michel de Montaigne, Essais, XXXI, I) na construção das personagens autóctones da ilha, particularmente na de Caliban. Já foi suficiente apontado que o próprio nome de Caliban é um anagrama de Canibal, embora o termo na época se referisse não especificamente à antropofagia mas mais a condição de selvagem, ou "homem natural", mais perto do comportamento animal do que do reconhecido como civilizado. A leitura de Shakespeare não é tão idealista como a de Montaigne que considera o selvagem como "mais puro" mas, ao mesmo tempo, deixa em aberto uma visão de Caliban que oscila entre a besta cujo comportamento apenas obedece aos seus impulsos e o ingénuo que é facilmente manipulável através do logro e do álcool. Ao mesmo tempo, Shakespeare faz uma crítica mordaz da apropriação da ilha que seria "por direito natural" de Caliban, e da prepotência de Prospero que explora o infeliz com a ameaça da utilização das suas artes. Curioso também um anagrama possível de Prospero: Oppressor. Estamos claramente perante todo um leque de possíveis leituras que podem analisar o fenómeno da colonização e da exploração do indígena.quarta-feira, 9 de maio de 2012
Peregrinação - Fernão Mendes Pinto
Autor: Fernão Mendes Pinto
Professora: Isabel Morujão
"Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouuio no reyno da China, no da Tartaria , no do Sornau, que vulgarmente se chama Sião, no do Calaminhan, no de Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhu[m]a noticia. E tambem da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras pessoas... / escrita pelo mesmo Fernão Mendez Pinto. - Em Lisboa : por Pedro Crasbeeck : a custa de Belchior de Faria, 1614."
"«Que é o que vindes buscar a essoutra, porque vos aventurais a tamanhos trabalhos?» E declarando-lhe então a razão disto, pelas melhores e mais enfeitadas palavras que então ocorreram, esteve um pouco suspenso, e (...) disse para um homem velho que estava junto dele:
- Conquistar esta gente terra tão alongada da sua parte dá claramente a entender que deve de haver entre eles muita cobiça e pouca justiça.A que o velho (...) respondeu:- Assim parece que deve ser, porque homens que por indústria ou engenho voam por cima das águas todas por adquirirem o que Deus lhes não deu, ou a pobreza neles é tanta que lhes faz esquecer a sua pátria, ou a vaidade e a cegueira que lhes causa a sua cobiça é tamanha que por ela negam a Deus e a seus pais."
Comentário do Rei dos Tártaros sobre a cobiça dos portugueses de seiscentos no Oriente; Peregrinação, CXIII.
"Na «Peregrinação» o autor narra a sua vida, de aventuras e desventuras, e as suas viagens pelo Oriente, ao longo de 21 anos, em relatos de enorme riqueza, com descrições muito pormenorizadas dos povos, das línguas e das terras por onde passou. Estas descrições revelam uma enorme admiração e fascínio pela grandiosidade dessas civilizações. Chega, inclusive, a recorrer a personagens orientais para tecer críticas à cobiça e ambição dos mercadores e militares…" (Grandes Livros é um documentário exibido pela RTP2 que visa contribuir para a promoção da leitura das grandes obras da literatura portuguesa junto de todas as faixas etárias de falantes de português. Cada episódio conta com a participação dos principais especialistas na obra e/ou no autor em análise, recriações do autor e da sua obra.)
quarta-feira, 21 de março de 2012
Chuva Braba - Manuel Lopes
Obra: Chuva Braba
Autor: Manuel Lopes
Professora: Cristina Pacheco
“Este” leitor chama-se Miguel Alexandre Boavida Salgado Fonseca, é licenciado em Ciências de Engenharia – Engenharia Química pela FEUP e descende de uma longa linhagem de professores (tom irónico). Duas bisavós professoras primárias, os quatro avós professores, um deles diretor de um colégio, pais professores, ambos licenciados em Filologia Românica e mais de metade dos tios e primos direitos professores em todas as áreas e níveis de ensino. Quando chegou a altura de fazer a primeira escolha profissional, a resposta foi imediata: professor? Nunca!
Viveu sempre cercado de livros e teve dificuldades de comunicação oral durante muitos anos, refugiando-se na literatura e lendo tudo a que conseguia deitar mão. Viveu parte da adolescência em Macau, onde foi bibliotecário da Messe do Clube Militar de Macau e onde se apaixonou pela primeira vez por uma linda rapariga, filha de um macaense e de uma cabo-verdiana.
Depois de concluir o curso estudando e trabalhando, trabalhou cerca vinte anos na indústria da refinação do açúcar mas a “maldição” da família foi mais forte e dedicou-se à formação e educação de adultos nas áreas da matemática e das novas tecnologias.
Porque lhe pareceu tão fascinante a leitura desta “Chuva Braba” de Manuel Lopes?
Porque nunca esqueceu esse primeiro amor e porque toda a cultura de Cabo Verde, assimilada através das amizades, das estórias e da música, encontrou neste romance muitas respostas sobre a problemática da identidade cabo-verdiana, o amor à terra e a quase inevitabilidade de emigrar.
Porque esse primeiro amor morreu nas Américas há exatamente um ano, depois de lutar durante dez anos contra um tipo raro de tumor, um liposarcoma.
Porque, por coincidências da vida, “este” leitor se encontra atualmente numa situação semelhante ao dilema de Mané Quim: ficar nas terras que ama, entre A Ver-O-Mar e Matosinhos, ou ir trabalhar para Lisboa e arriscar-se a perder a alma, como nhô Lourencinho bem avisa.
O que encontrou este “leitor” de mais surpreendente na obra?
A quase ausência de referências à situação colonial que então se vivia.
A construção do romance em torno de um artifício narrativo que lembra o teatro vicentino: a personagem de Mané Quim vai encontrando personagens que vão sendo alinhadas com uma das duas opções de Mané Quim: ficar ou partir.
As personagens “negativas”, do agiota e do açambarcador, caracterizadas por defeitos físicos (“como um bode” e “vesgo”).
As três personagens femininas que o impedem de partir: o amor por Escolástica, o amor e a responsabilidade pela mãe “nha Joja” e o amor pela Terra como é evidente na descrição da página [21], “As plantas de regadio pediam afagos de homem, afagos e amor; sem afagos e amor, morriam.”
A intervenção de uma entidade exterior, culminante e decisiva na tomada de decisão de Mané Quim: a chegada da Chuva Braba, lembrando afinidades com uma cena culminante do filme “Magnolia”.
Em que medida considera “este” leitor que o autor nos mostra uma aculturação brasileira da personagem Joquinha ou, pelo contrário, uma ligação às origens e à sua identidade de ilhéu?
“Este” leitor considera que o padrim Joquinha é apresentado desde o início do romance como um emigrante aculturado, sendo várias as referências à sua linguagem e à sua inadaptação atual ao arquipélago:
[8] “(…) o falar brasil de nhô joquinha (…) a voz do brasileiro (…) «bate-papo» (aprendera a expressão com Joquinha)”
[10] “(…) o tique brasileiro tinha um sabor gozado na sua boca”
[93] Joquinha dá a entender que já não está habituado ao clima e às moscas de Cabo Verde.
[97] Joquinha refere a abertura e o sucesso dos negócios em Manaus.
[100] Joquinha reflete que quem volta, pensa encontrar as coisas como as tinha deixado e essa é a sua principal desilusão. O leitor partilha desta visão porque já passou pelo mesmo.
[115] Joquinha refere que tinha deixado umas nesgas de terra ao abandono e que tratou de as vender, cortando os poucos laços que o prendiam a terra-mãe. Por outro lado, “este” leitor também identifica muito claramente uma nostalgia identitária que é evidente no elogio da cachupa da Maria Lé [143] e no desejo, não claramente assumido, de um dia voltar para morrer na sua terra. “Talvez um dia, quando o corpo pedir descanso, a alma volte com mais alma e me veja forçado a comprar de novo o que estou vendendo agora.”
Como interpreta “este” leitor a personagem Zé Viola, no contexto da narrativa e na caracterização feita pelo autor?
“Este” leitor considera a construção desta personagem como uma das melhores de todo o romance. Preso à terra como Mané Quim, na pág. [14] argumenta com Joquinha “Mas quem diz a nós que um dia tudo vira – e o que é mau fica bom? Porquê que bom há-de virar mau, e não há-de mau virar bom? É questão de cair pra um lado ou de cair pra outro lado.”
A sua aversão à mudança também é visível na recusa em ir tentar a sorte em S. Vicente, embora se sentisse igualmente tentado a seguir Joquinha se ele o quisesse levar para o Brasil ou América “(…) encostava a enxada atrás da porta e dizia logo: - «Bá’mbora»”
A caracterização psicológica de Zé Viola é muito minuciosa na página [106], início do capítulo X: “Moço de sorte, este Zé Viola. (…) Era «perigoso», tinha uma fama diabólica. (…) Tecia intrigas sorrindo (…) como aranha trabalhando com todas as patas ao mesmo tempo.”
Torna-se uma personagem chave do romance ao informar Joquinha da relação de Mané Quim com Escolástica e ao roubar as batatas do terreno de Mané Quim, derrubando parte da parede de suporte do pilar. Mané Quim encarou o assalto “dos daninhos” como um sinal de alarme, um presságio. Sinal de ano ruim. Para todos se porem alerta [113]. Aparentemente seria a fome que desencadearia o começo dos roubos. Foi muito provavelmente este sinal que levou Mané Quim a dizer “- Não é preciso mais histórias (…) eu vou com o padrim.” [125].
O que encontra “este” leitor de tipicamente cabo-verdiano no romance de Manuel Lopes?
As expressões em crioulo
Uma das expressões mais enigmáticas é “fep”. Na pág. [84], a personagem Anselmo está a falar de uma nascente e diz, "(...) Nascente de tapume ou é oito ou oitenta. C'ma suor da terra: quando chove é a primeira a rebentar, mas também quando mingua reforço de fora vai como vem, fep." No glossário “fep!” é traduzido por "completamente" e “este” leitor pôde confirmar indiretamente que na Brava, Fogo e Santiago “fepo” significa “tudo”, como no exemplo “El cumel fepo”, “Ele comeu tudo”. Entre outras palavras e expressões curiosas e algumas com uma certa carga poética, o leitor realça as seguintes: “Calé”,“Codê”, “Desamparinho”, “Dias-há”, “Est’hora assim”, “Papiar”, “Riola”, entre muitas outras. Os próprios nomes e alcunhas das personagens são muito interessantes.
As referências à comida e à bebida
Na descrição da cachupa «com todos os matadores» feita pela Maria Lé [141]. Omeletes com chouriço e batatas fritas [131]. Cuscuz sem canela mas com manteiga. [143]
As referências à natureza botânica e geológica
Em inúmeras descrições, talvez a mais memorável seja a do som das bananeiras a abrir mas também em muitas outras, “(…) Numa margem e noutra trepavam pilares de regadios. Cana sacarina, batatais e mandiocais, goiabeiras, mangueiras e laranjeiras, pedaços acastanhados de terra inculta, feijoeiros com as folhas amarelas e galhos mirrados; nas areias húmidas do álveo, inhames e aboboreiras.”
As crenças populares
No pequeno episódio da “feiticeira” Joana Tuda “aprisionada” por causa da posição da caneca, virada de cabeça para baixo. [87]. Na crença de esfregar nagoia nos pés das crianças preguiçosas. [122] O “gongon” (papão)
A caracterização socioeconómica da população
Contrabandistas de grogue, agiota, açambarcador, grandes e pequenos agricultores, brasileiro torna-viagem, estalajadeira, entre muitas outras figuras que evocam ao leitor uma sociedade específica no tempo, na geografia e na identidade.
* Em jeito de “catecismo” e assumindo como inspiração uma das técnicas narrativas usadas por James Joyce em Ulisses
Autor: Manuel Lopes
Professora: Cristina Pacheco
Uma leitura de Chuva Braba de Manuel Lopes *
Quem é “este” leitor e o que faz ele na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no curso de formação ‘Grandes Livros, Grandes Obras III’.“Este” leitor chama-se Miguel Alexandre Boavida Salgado Fonseca, é licenciado em Ciências de Engenharia – Engenharia Química pela FEUP e descende de uma longa linhagem de professores (tom irónico). Duas bisavós professoras primárias, os quatro avós professores, um deles diretor de um colégio, pais professores, ambos licenciados em Filologia Românica e mais de metade dos tios e primos direitos professores em todas as áreas e níveis de ensino. Quando chegou a altura de fazer a primeira escolha profissional, a resposta foi imediata: professor? Nunca!
Viveu sempre cercado de livros e teve dificuldades de comunicação oral durante muitos anos, refugiando-se na literatura e lendo tudo a que conseguia deitar mão. Viveu parte da adolescência em Macau, onde foi bibliotecário da Messe do Clube Militar de Macau e onde se apaixonou pela primeira vez por uma linda rapariga, filha de um macaense e de uma cabo-verdiana.
Depois de concluir o curso estudando e trabalhando, trabalhou cerca vinte anos na indústria da refinação do açúcar mas a “maldição” da família foi mais forte e dedicou-se à formação e educação de adultos nas áreas da matemática e das novas tecnologias.
Porque lhe pareceu tão fascinante a leitura desta “Chuva Braba” de Manuel Lopes?
Porque nunca esqueceu esse primeiro amor e porque toda a cultura de Cabo Verde, assimilada através das amizades, das estórias e da música, encontrou neste romance muitas respostas sobre a problemática da identidade cabo-verdiana, o amor à terra e a quase inevitabilidade de emigrar.
Porque esse primeiro amor morreu nas Américas há exatamente um ano, depois de lutar durante dez anos contra um tipo raro de tumor, um liposarcoma.
Porque, por coincidências da vida, “este” leitor se encontra atualmente numa situação semelhante ao dilema de Mané Quim: ficar nas terras que ama, entre A Ver-O-Mar e Matosinhos, ou ir trabalhar para Lisboa e arriscar-se a perder a alma, como nhô Lourencinho bem avisa.
O que encontrou este “leitor” de mais surpreendente na obra?
A quase ausência de referências à situação colonial que então se vivia.
A construção do romance em torno de um artifício narrativo que lembra o teatro vicentino: a personagem de Mané Quim vai encontrando personagens que vão sendo alinhadas com uma das duas opções de Mané Quim: ficar ou partir.
As personagens “negativas”, do agiota e do açambarcador, caracterizadas por defeitos físicos (“como um bode” e “vesgo”).
As três personagens femininas que o impedem de partir: o amor por Escolástica, o amor e a responsabilidade pela mãe “nha Joja” e o amor pela Terra como é evidente na descrição da página [21], “As plantas de regadio pediam afagos de homem, afagos e amor; sem afagos e amor, morriam.”
A intervenção de uma entidade exterior, culminante e decisiva na tomada de decisão de Mané Quim: a chegada da Chuva Braba, lembrando afinidades com uma cena culminante do filme “Magnolia”.
Ilha de Santo Antão (Foto: Alberto Pascal Neves Silva)
Em que medida considera “este” leitor que o autor nos mostra uma aculturação brasileira da personagem Joquinha ou, pelo contrário, uma ligação às origens e à sua identidade de ilhéu?
“Este” leitor considera que o padrim Joquinha é apresentado desde o início do romance como um emigrante aculturado, sendo várias as referências à sua linguagem e à sua inadaptação atual ao arquipélago:
[8] “(…) o falar brasil de nhô joquinha (…) a voz do brasileiro (…) «bate-papo» (aprendera a expressão com Joquinha)”
[10] “(…) o tique brasileiro tinha um sabor gozado na sua boca”
[93] Joquinha dá a entender que já não está habituado ao clima e às moscas de Cabo Verde.
[97] Joquinha refere a abertura e o sucesso dos negócios em Manaus.
[100] Joquinha reflete que quem volta, pensa encontrar as coisas como as tinha deixado e essa é a sua principal desilusão. O leitor partilha desta visão porque já passou pelo mesmo.
[115] Joquinha refere que tinha deixado umas nesgas de terra ao abandono e que tratou de as vender, cortando os poucos laços que o prendiam a terra-mãe. Por outro lado, “este” leitor também identifica muito claramente uma nostalgia identitária que é evidente no elogio da cachupa da Maria Lé [143] e no desejo, não claramente assumido, de um dia voltar para morrer na sua terra. “Talvez um dia, quando o corpo pedir descanso, a alma volte com mais alma e me veja forçado a comprar de novo o que estou vendendo agora.”
Como interpreta “este” leitor a personagem Zé Viola, no contexto da narrativa e na caracterização feita pelo autor?
“Este” leitor considera a construção desta personagem como uma das melhores de todo o romance. Preso à terra como Mané Quim, na pág. [14] argumenta com Joquinha “Mas quem diz a nós que um dia tudo vira – e o que é mau fica bom? Porquê que bom há-de virar mau, e não há-de mau virar bom? É questão de cair pra um lado ou de cair pra outro lado.”
A sua aversão à mudança também é visível na recusa em ir tentar a sorte em S. Vicente, embora se sentisse igualmente tentado a seguir Joquinha se ele o quisesse levar para o Brasil ou América “(…) encostava a enxada atrás da porta e dizia logo: - «Bá’mbora»”
A caracterização psicológica de Zé Viola é muito minuciosa na página [106], início do capítulo X: “Moço de sorte, este Zé Viola. (…) Era «perigoso», tinha uma fama diabólica. (…) Tecia intrigas sorrindo (…) como aranha trabalhando com todas as patas ao mesmo tempo.”
Torna-se uma personagem chave do romance ao informar Joquinha da relação de Mané Quim com Escolástica e ao roubar as batatas do terreno de Mané Quim, derrubando parte da parede de suporte do pilar. Mané Quim encarou o assalto “dos daninhos” como um sinal de alarme, um presságio. Sinal de ano ruim. Para todos se porem alerta [113]. Aparentemente seria a fome que desencadearia o começo dos roubos. Foi muito provavelmente este sinal que levou Mané Quim a dizer “- Não é preciso mais histórias (…) eu vou com o padrim.” [125].
O que encontra “este” leitor de tipicamente cabo-verdiano no romance de Manuel Lopes?
As expressões em crioulo
Uma das expressões mais enigmáticas é “fep”. Na pág. [84], a personagem Anselmo está a falar de uma nascente e diz, "(...) Nascente de tapume ou é oito ou oitenta. C'ma suor da terra: quando chove é a primeira a rebentar, mas também quando mingua reforço de fora vai como vem, fep." No glossário “fep!” é traduzido por "completamente" e “este” leitor pôde confirmar indiretamente que na Brava, Fogo e Santiago “fepo” significa “tudo”, como no exemplo “El cumel fepo”, “Ele comeu tudo”. Entre outras palavras e expressões curiosas e algumas com uma certa carga poética, o leitor realça as seguintes: “Calé”,“Codê”, “Desamparinho”, “Dias-há”, “Est’hora assim”, “Papiar”, “Riola”, entre muitas outras. Os próprios nomes e alcunhas das personagens são muito interessantes.
As referências à comida e à bebida
Na descrição da cachupa «com todos os matadores» feita pela Maria Lé [141]. Omeletes com chouriço e batatas fritas [131]. Cuscuz sem canela mas com manteiga. [143]
As referências à natureza botânica e geológica
Em inúmeras descrições, talvez a mais memorável seja a do som das bananeiras a abrir mas também em muitas outras, “(…) Numa margem e noutra trepavam pilares de regadios. Cana sacarina, batatais e mandiocais, goiabeiras, mangueiras e laranjeiras, pedaços acastanhados de terra inculta, feijoeiros com as folhas amarelas e galhos mirrados; nas areias húmidas do álveo, inhames e aboboreiras.”
As crenças populares
No pequeno episódio da “feiticeira” Joana Tuda “aprisionada” por causa da posição da caneca, virada de cabeça para baixo. [87]. Na crença de esfregar nagoia nos pés das crianças preguiçosas. [122] O “gongon” (papão)
A caracterização socioeconómica da população
Contrabandistas de grogue, agiota, açambarcador, grandes e pequenos agricultores, brasileiro torna-viagem, estalajadeira, entre muitas outras figuras que evocam ao leitor uma sociedade específica no tempo, na geografia e na identidade.
Porto Novo, Santo Antão
* Em jeito de “catecismo” e assumindo como inspiração uma das técnicas narrativas usadas por James Joyce em Ulisses
Hermínia - Um Porta Aberto
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Ulysses - James Joyce
Obra: Ulisses (tradução de A. Houaiss)
Autor: James Joyce
Professor: Gualter Cunha
"A 16 de junho de 1904, um judeu irlandês chamado Leopold Bloom sai de casa para comprar os rins que adora comer ao pequeno almoço, ir à posta restante buscar as cartas de amor da amante, cumprir as suas obrigações de angariador de publicidade e assistir ao enterro de um velho conhecido. O Senhor Bloom, como Ulisses através dos mares, vai ser arrastado através de Dublin numa odisseia trivial e aventureira. A ilha dos Lotófagos, a gruta de Polifemo e a caverna de Circe tomam aqui nomes de praças de Dublin, de bares e de bordéis irlandeses; Nausicaa, Penélope, Telémaco e os pretendentes são empregadas de bares, uma cantora, um jovem professor de História falador e boémio, um velho empresário corrupto ou ébrios eloquentes. Será apenas na madrugada seguinte, bem comido e melhor bebido, que Leopold Bloom regressa a casa – Ítaca, após ter sido expulso de um bar por um sujeito intratável, depois de também ter apanhado uma bebedeira memorável que termina num pandemónio fabuloso, e repercorrido, titubeante, a história da vida de um pobre diabo judeu irlandês, enganado pela mulher e que corre atrás de qualquer saia que lhe passa perto.
Terá pelo caminho refeito todo o percurso da História, paródica e sublime, a história de tudo o que a humanidade inventou para atravessar a terra: línguas, culturas, metafísicas, filosofias, teologias, erotismos, ritos, brincadeiras, preces, magias, sem esquecer o whisky, o vinho tinto e os rins de carneiro fritos em manteiga, sem esquecer também os prodígios da palavra humana, única alavanca de Arquimedes que poderia, sem ponto de apoio, levantar o mundo." trad. A. Houaiss, ed. DIFEL, 1983
"(...) O that awful deepdown torrent O and the sea the sea crimson sometimes like fire and the glorious sunsets and the figtrees in the Alameda gardens yes and all the queer little streets and the pink and blue and yellow houses and the rosegardens and the jessamine and geraniums and cactuses and Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes."
Autor: James Joyce
Professor: Gualter Cunha
"A 16 de junho de 1904, um judeu irlandês chamado Leopold Bloom sai de casa para comprar os rins que adora comer ao pequeno almoço, ir à posta restante buscar as cartas de amor da amante, cumprir as suas obrigações de angariador de publicidade e assistir ao enterro de um velho conhecido. O Senhor Bloom, como Ulisses através dos mares, vai ser arrastado através de Dublin numa odisseia trivial e aventureira. A ilha dos Lotófagos, a gruta de Polifemo e a caverna de Circe tomam aqui nomes de praças de Dublin, de bares e de bordéis irlandeses; Nausicaa, Penélope, Telémaco e os pretendentes são empregadas de bares, uma cantora, um jovem professor de História falador e boémio, um velho empresário corrupto ou ébrios eloquentes. Será apenas na madrugada seguinte, bem comido e melhor bebido, que Leopold Bloom regressa a casa – Ítaca, após ter sido expulso de um bar por um sujeito intratável, depois de também ter apanhado uma bebedeira memorável que termina num pandemónio fabuloso, e repercorrido, titubeante, a história da vida de um pobre diabo judeu irlandês, enganado pela mulher e que corre atrás de qualquer saia que lhe passa perto.
Terá pelo caminho refeito todo o percurso da História, paródica e sublime, a história de tudo o que a humanidade inventou para atravessar a terra: línguas, culturas, metafísicas, filosofias, teologias, erotismos, ritos, brincadeiras, preces, magias, sem esquecer o whisky, o vinho tinto e os rins de carneiro fritos em manteiga, sem esquecer também os prodígios da palavra humana, única alavanca de Arquimedes que poderia, sem ponto de apoio, levantar o mundo." trad. A. Houaiss, ed. DIFEL, 1983
"(...) O that awful deepdown torrent O and the sea the sea crimson sometimes like fire and the glorious sunsets and the figtrees in the Alameda gardens yes and all the queer little streets and the pink and blue and yellow houses and the rosegardens and the jessamine and geraniums and cactuses and Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes."
James Joyce - Ulysses: Molly Bloom's Soliloquy, The Last 50 Lines
Word cloud of Ulysses: Molly Bloom's Soliloquy
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Odisseia - Homero
Obra: Odisseia
Autor: Homero (atribuída a)
Professor: Jorge Deserto
"Mas depois que Ulisses e Penélope satisfizeram o seu desejo
de amor, deleitaram-se com palavras, contando tudo um ao outro."
Canto XXIII, 300
A Odisseia apresenta-nos quatro “espaços” (a arenosa Pilos, Lacedemónia ou Esparta, a Feácia e Ítaca) e três “tempos” (a viagem de Telémaco em busca do pai, a viagem e as aventuras de Ulisses e o regresso a Ítaca ou Nostos [3]). São XXIV os cantos do poema, exatamente o número de letras do alfabeto grego. Do canto IX ao XII, as aventuras são narradas por Ulisses assumindo o papel de narrador omnisciente e onde é curiosamente mais evidente a atmosfera de fantástico, com histórias povoadas de monstros, feiticeiras e fenómenos extraordinários. A dinâmica narrativa distende-se no final da obra, abrandando o ritmo e construindo cuidadosamente o clímax da ação.
1. Do nome grego do herói Ulisses – Odusseus
2. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/homero21.htm
3. Nostos (regresso), raiz da palavra nostalgia (nostos + algia), dor do (não) regresso.
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
(...)
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
[Tradução Jorge de Sena]
Autor: Homero (atribuída a)
Professor: Jorge Deserto
"Mas depois que Ulisses e Penélope satisfizeram o seu desejo
de amor, deleitaram-se com palavras, contando tudo um ao outro."
Canto XXIII, 300
Leitura e apontamentos
Mais do que uma epopeia identitária, a Odisseia [1] é uma obra seminal da literatura ocidental, precursora de uma identidade europeia e de um género literário que se viria a tornar dominante. Atribuída a Homero, pouco sabemos ao certo sobre o trabalho do putativo autor, embora seja mais ou menos consensual a dinâmica de um processo de fixação que traduzisse as contribuições da tradição oral dos diversos Aedos na construção da obra.As diferenças de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisseia levaram alguns críticos a colocar a hipótese de que poderiam ter resultado da recomposição de poemas anteriores, ou de que teriam sido criadas por autores diferentes. Todas essas dúvidas constituem a chamada "questão homérica", e permanecem abertas à discussão. Os pontos em que há maior concordância dos estudiosos são: a Ilíada é anterior à Odisseia; quase com certeza os dois poemas foram compostos no século VIII a.C., cerca de três séculos após os factos narrados; foram originalmente escritos em dialeto jónio, com numerosos elementos eólios - o que confirma a origem jónica de Homero; pertenciam à tradição épica oral, pelo menos no que se refere às técnicas empregadas, já que existem opiniões divergentes quanto ao emprego ou não da escrita pelo autor. A versão na forma escrita, tal como se conhece hoje, teria sido feita em Atenas durante o século VI a.C., se bem que a divisão de cada poema em 24 cantos corresponderia aos eruditos alexandrinos do Período Helenístico. No decorrer desse período teriam sido introduzidas várias interpolações. [2]Como épico, a Odisseia foge de alguma maneira à grandiosidade típica do género. São apenas doze embarcações e a história de um homem que quer regressar a casa. Deste ponto de vista a Odisseia está mais perto de um… romance! Podemos ver que tem muitas das características que se tornariam comuns no romance: multiplicidade de tempos, vozes, situações personagens e aventuras, uma estrutura narrativa que converge para uma situação final de clímax dramático e uma alternância entre diferentes modos de narração, longe da perspetiva monolítica da narração épica clássica. É evidente, também, uma matriz de organização narrativa com uma viagem onde podia sempre ser incluída mais uma nova aventura de Ulisses, prolongando indefinidamente a obra e aceitando novas contribuições posteriores. Uma consequência desta génese da obra é a presença de algumas inconsistências internas, compreensíveis no contexto de produção por autores diversos e diferida no tempo.
A Odisseia apresenta-nos quatro “espaços” (a arenosa Pilos, Lacedemónia ou Esparta, a Feácia e Ítaca) e três “tempos” (a viagem de Telémaco em busca do pai, a viagem e as aventuras de Ulisses e o regresso a Ítaca ou Nostos [3]). São XXIV os cantos do poema, exatamente o número de letras do alfabeto grego. Do canto IX ao XII, as aventuras são narradas por Ulisses assumindo o papel de narrador omnisciente e onde é curiosamente mais evidente a atmosfera de fantástico, com histórias povoadas de monstros, feiticeiras e fenómenos extraordinários. A dinâmica narrativa distende-se no final da obra, abrandando o ritmo e construindo cuidadosamente o clímax da ação.
1. Do nome grego do herói Ulisses – Odusseus
2. http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras/links/homero21.htm
3. Nostos (regresso), raiz da palavra nostalgia (nostos + algia), dor do (não) regresso.
«Ítaca» / Konstandinos Kaváfis / (1911)
Quando começares a tua viagem para Ítaca,reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
(...)
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
[Tradução Jorge de Sena]
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Porquê ler os clássicos? - Italo Calvino
"Os clássicos são livros de que se costuma ouvir dizer: "estou a reler..." e nunca: "estou a ler..."; um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que que tem a dizer; os clássicos são livros que quanto mais se julga conhecê-los por ouvir falar, mais se descobrem como novos, inesperados e inéditos ao lê-los de facto; é clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído de fundo"(...).
Italo Calvino (1991), "Porquê ler os clássicos?" tradução de José Colaço Barreiros, edição da Teorema.
Italo Calvino (1991), "Porquê ler os clássicos?" tradução de José Colaço Barreiros, edição da Teorema.
A Viagem
Convocando um sentido para a terceira edição do curso livre Grandes Livros, Grandes Obras, escolheu-se a temática da viagem (das viagens?), construindo um fio condutor entre as múltiplas leituras, intertextualidades, épocas, sensibilidades, genealogias e outras pontes da palavra escrita que também é, na sua essência, "a viagem".
Estado de locomoção
Repito que vivo enclausurado na agilidade de um animal nascido
Correndo ao lado dele, correndo para ele - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem veloz:
Uma casa para a infância com trepadeiras
Para que as palavras ficassem como frutos no alto.
Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor.
Sei que estou em viagem na palavra que se move.
Repito o trajecto para ver o poema de novo - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem de uma coisa amada
Correndo ao meu lado, correndo para mim no mecanismo violento
Do amor. Era nele que eu queria a casa com trepadeiras
Onde as palavras ficassem silenciosas e altas com um pátio interior.
Daniel Faria in Homens que são como lugares mal situados 1ª ed. Porto, Fundação Manuel de Leão 1998
"Verba volant, scripta manent"
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